domingo, 8 de fevereiro de 2009

Reputação e credibilidade

Reputação e credibilidade
06.02.2009 (in Público)
Não mentir nem dizer meias-verdades é a melhor política, em particular, em matéria de finanças públicas
AVerdade ninguém a conhece. Quem pensa conhecê-la é religioso, no melhor dos casos, ou fanático, na maioria dos exemplos. Há verdades, mentiras e meias-verdades. As meias-verdades são mentiras a dobrar, porque já o são hoje mas só a descobrimos como tal, mais tarde. E doem mais, sentimo-nos duplamente vítimas da mentira. Além disso, se não conhecemos muito bem a Verdade, sabemos muito bem o que é a mentira.
Falar verdade é meio caminho para enfrentar a crise económica e social em que estamos metidos. Melhor dizendo, não mentir nem dizer meias-verdades é a melhor política, em particular, em matéria de finanças públicas. É a única maneira de ter boa reputação, credibilidade e crédito.
O Governo, pelo menos desde meados de Outubro, dá corpo a uma sequência de trapalhadas que agora estão a sair caras, não só ao Governo, mas também ao País (o que é grave).
Em meados de Outubro, afirmava que em 2008 o PIB cresceria 0,8%, quando já se conheciam os dados para os 2 primeiros trimestres. Tal não era possível com base nos indicadores, então disponíveis. Não sabíamos que já estávamos em plena recessão, mas todos sabíamos (e sentíamos) que estávamos muito pior que no primeiro semestre. Agora, a estimativa de crescimento, para 2008, é de 0,3%. O défice público, em 2008, não é o mais baixo da democracia portuguesa. Com os dados publicados em meados de Outubro, será pelo menos 2,9% do PIB, ou seja, mais alto do que em 2007. Em ambos os casos, sem receitas extraordinárias, que é o que interessa, obviamente.
Agora temos uma correcção ao orçamento aprovado para 2009 e mais uma vez se perdeu outra oportunidade para falar verdade. Desde logo, assegura que não existiram receitas extraordinárias, em 2007 e 2008, o que é falso. Basta ler o OE de Outubro para se saber que, em 2008, serão uns significativos 0,7% do PIB e não 0,0%, como diz o Programa de Estabilidade e Crescimento apresentado (1).
Desta vez, o Governo escondeu-se atrás das previsões do Banco de Portugal, que o próprio já tinha dito estarem desactualizadas porque uma série de riscos potenciais se tinham, entretanto, materializado, tanto a nível nacional como internacional.
Mais grave, o Governo ignorou as previsões, já disponíveis, da Standard & Poors (S&P), do The Economist, da Comissão Europeia. Todas, significativamente, mais pessimistas que as do Banco. Ignorou, conscientemente, as consequências do novo rating da S&P para a República. Não quis ouvir as previsões, entretanto tornadas públicas, de vários países, nomeadamente da Espanha.
Já se discute abertamente nas páginas do Financial Times a possibilidade de um país da zona-euro - a Grécia - poder cessar pagamentos, o que, apenas como hipótese, já nos cria sérios problemas. Era assunto temido por mim há muitas semanas mas, não desejando ser ave-agoirenta, nunca o mencionei explicitamente. Mas todos vínhamos tomando conhecimento que tal hipótese estava nas cartas e seria boa política que se guardasse, desde já, alguma margem orçamental para tal eventualidade.
Note-se que em Espanha o défice orçamental ultrapassará os 6%, partindo de um excedente de 2%. E, em Portugal, embora o Governo jure que não ultrapassa os 3,9%, o défice orçamental este ano estará mais perto dos 5 que dos 4%. Tudo isto, se o Governo conseguir financiar-se internacionalmente. Explicando melhor, pode acontecer que o Estado não consiga financiar as projectadas obras de combate à crise e os grandes projectos públicos e o défice ser forçado a ser menor.
Entretanto, ninguém acredita no que o Governo diz e este limita-se a fingir acreditar.
Desta vez, a S&P fez o trabalho de casa e claramente diz que o problema está nas reformas deixadas a meio e no problema orçamental, mais uma vez, ainda por resolver. O facto da SEDES ter salientado, em Junho, o problema das meias reformas, valeu-nos uma campanha (bem organizada, chapeau!) de insultos pessoais.
Quando em Março se anunciou a descida do IVA e eu me insurgi, porque poderia ser necessário o orçamento apoiar o sector financeiro, chamaram-me (pelo menos) irresponsável.
O facto de, há meses, eu e outros chamarmos a atenção de que o problema fundamental de curto prazo é a falta de crédito, não comoveu ninguém. Mas não basta estar certo, é preciso estar certo na hora certa. Li, há dias, que Larry Summers, conhecido professor de Harvard e presidente do National Economic Council de Obama, punha como primeira prioridade o restabelecimento do crédito (a par do emprego) para a política económica americana. Quem ler a imprensa internacional relevante verá que algo de semelhante se passa no Reino Unido. Nós por cá todos bem.
Atribui-se a Keynes o aviso de que "the market can stay irrational longer than you can stay solvent". Em Portugal tal aviso é muito importante. Mais ainda, é importante que o Governo não permaneça irracional mais tempo do que os mercados sem liquidez.
Luís Campos Cunha
Professor universitário
1) Ver PEC (Janeiro 2009), Quadro A-7, linha 4.

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